Padre Cícero, servo de Deus

 


Por Barros Alves*


A causa da santidade do Padre Cícero Romão Batista, o nosso Santo Padim Pade Ciço do Juazeiro, é ponto pacífico no coração de milhares de romeiros que anualmente dirigem-se à cidade de Juazeiro do Norte, localizada no Cariri cearense, para participar das inúmeras manifestações de veneração ao taumaturgo nordestino, digno de fé e devoção, em face dos muitos milagres por ele realizados na vida de tantos homens e mulheres de todos os quadrantes dos inóspitos sertões e também das urbes metropolitanas.

Portanto, foi com imensa alegria que todos os nordestinos e, por extensão, os brasileiros, receberam a notícia oriunda da Sé Pontifícia Católica, dando conta de que o Papa Francisco havia autorizado a abertura do processo de beatificação do Meu Padim pela Congregação para a Causa dos Santos. A informação se tornou pública no dia 20 de agosto, por intermédio de mensagem datada de 22 de junho antecedente, lida pelo bispo da diocese do Crato, Dom Magnus Henrique Lopes, em Missa celebrada no largo da Capela do Socorro, em Juazeiro do Norte. Em 2015, atendendo pedido do então titular da diocese, o bispo Dom Fernando Panico, a Santa Sé se manifestara de forma discreta sobre a figura venerável do Padre Cícero, em carta assinada pelo Cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado do Vaticano, que entre várias assertivas reconhece que “o afeto popular que cerca a figura do Padre Cícero pode constituir um alicerce forte para a consolidação da fé católica no ânimo do povo nordestino(...). Portanto, é necessário, neste contexto, dirigir nossa atenção ao Senhor e agradecê-lo por todo o bem que ele suscitou por intermédio do Padre Cícero.”

Lembro-me que ao expressar em artigo minha alegria pela manifestação positiva do Vaticano, um velho prelado amigo que há muito defendia a reabilitação do Padre Cícero, conhecedor da extrema prudência da Igreja nesses casos, orientou-me a “colocar o pé no freio”, pois, a carta não significava reabilitação, uma vez que em nenhum momento estava claramente expressa a decisão almejada de retirar o “santo do povo” da incômoda situação canônica, como uma espécie de pária eclesiástico, uma vez que fora suspenso de Ordem em razão da polêmica criada em torno do “Milagre da Hóstia”, fato protagonizado pela beata Maria de Araújo. Porém, no largo das saudações à boa nova que considerei “reabilitação”, estava uma personalidade bem mais acreditada do que este simples escrevinhador. O historiador Armando Lopes Rafael, então chanceler da Cúria Diocesana do Crato, declarara à Imprensa em 13 de dezembro de 2015 que “com o perdão e reconciliação, fica entendido que padre Cícero na verdade não errou. Todas as punições foram suspensas. A igreja entendeu que a pregação de padre Cícero estava no caminho certo e por isso a devoção a ele continuou crescendo durante todos esses anos.” Com efeito, na prática, constituía uma incompreensível contradição, no mínimo uma paradoxalidade, que a Igreja aceitasse e até estimulasse as romaria ao longo de um século, olvidando a possível santidade do protagonista-mor dos eventos geradores dessas manifestações messiânicas.

É certo, porém, recorrer à paciência que me aconselhou o velho prelado em relação aos processos de beatificação e canonização. Doravante chamado “Servo de Deus” consoante o protocolo hagiológico da
Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, certamente ainda iremos percorrer um longo caminho até que o Padre Cícero alcance a glória dos altares, depois da beatificação, mesmo que já ocupe lugar de destaque nos oratórios dos lares sertanejos desde quando ainda era vivo.

Para se ter uma ideia da profundidade devocional que o sertanejo tem para com o Padre Cícero, lembro aqui de uns versos recolhidos pelo professor Lourenço Filho, que os transcreveu em obra crítica ao que considera fanatismo religioso e publicada sob o título “Juazeiro do Padre Cícero” (Obras completas de Lourenço Filho, vol. 1, 3ª edição sem ind. de data (1ª é de 1926). O autor dos versos, poeta João Mendes de Oliveira, era amigo do Padre Cícero. A estrofe final do cordel “Proteção da Mãe de Deus” conclui:

Nada mais tenho a dizê.
Sou João Mendes de Olivêra,
Nesta língua brasilêra
Eu nada pude aprendê,
Porém posso conhecê
De tudo quanto é verdade!
Não tenho capacidade,
Mas, sei que não digo à toa:
- Pade Cisso é uma pessoa
Da Santíssima Trindade!...

Atentemos todos para a profundidade da crença no “Meu Padim”, que está arraigada na alma do povo, representado no poema por um artista rude, que expressa com firmeza sua devoção a um líder espiritual, o qual ao tempo em que o poeta escrevia seus versos laudatórios, ainda estava cumprindo sua missão evangélica na Meca do Nordeste. Essa fé imorredoura persiste nas levas de romeiros que todo ano sai dos mais distantes rincões do Nordeste e de outras regiões do País, para pedir e agradecer bênçãos alcançadas por intermédio do Meu Padim Ciço, agora formalmente “Servo de Deus” segundo o cânon católico.


*publicado originalmente no blog do Jornal O Povo

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