O amor maior de Santa Joana Beretta Molla

 



Por Barros Alves*


Nestes tempos aziagos, ditados por uma pós-modernidade malsã em que assoma um neopaganismo que tem como sustentáculo um relativismo estéril em matéria de transcendência; tempos em que o próprio povo cristão adota posturas que não se coadunam com os valores da doutrina e tradição da Igreja e muito menos com os princípios dos Sagrados Evangelhos, entre os quais se inclui a radicalidade da condenação do aborto, eis que uma personalidade se alteia em pleno século XX para dar testemunho de compromisso com o Amor Maior que vem do Alto e irradia promessa de vida plena e santidade. Refiro-me a uma mulher casada, que teve filhos, que viveu o dia a dia de um relacionamento matrimonial, que exerceu com dignidade e proficiência a profissão que escolheu, a Medicina, e que nessas searas de sua existência recebeu o dom da graça de permanecer fiel aos valores cristãos, vivenciando-os em profunda simplicidade. Esta mulher é Joana Beretta Molla, nascida em 1922 e falecida em 1962. Em 1994, ano dedicado à família por decisão do então Papa João Paulo II, Joana foi beatificada e dez anos depois, em 16 de maio de 2004, depois de todos os rigorosos trâmites exigidos pela Congregação da Causa dos Santos, o mesmo Pontífice eleva Joana Beretta Molla à glória dos altares.

Santa Joana desde a juventude demonstrou profunda vocação religiosa e, de par com os estudos regulares, dedicou-se aos trabalhos humanísticos e sociais desenvolvidos pela Igreja, em sua paróquia. Formou-se em Medicina e casou-se. Conheceu as agruras da Segunda Guerra Mundial e deu testemunho de compromisso com os desvalidos. Sérgio Diogo Giannini registra: “Dedicava seu trabalho não apenas ao bem-estar físico dos pacientes, mas, sobretudo, dando sentido divino à alma de cada pessoa que buscava seu auxílio.” (Cf. “Santos Médicos, Médicos Santos”, Panda Books, 2004, pág. 85). Com efeito, Joana jamais tergiversou na defesa de princípios e valores inscritos nos Evangelhos e que também estavam gravados em seu coração e em seu caráter de um ser escolhido por Deus para dar exemplo de santidade. Nesse mister do serviço em favor da vida, Joana “tornou-se um símbolo na luta contra o aborto em qualquer circunstância”, observa Giannini, lembrando o fato que marca a determinação férrea da jovem mãe: “Na sua quarta gravidez foi constatada a presença de tumor uterino, que indicava a necessidade de sacrifício do feto, para preservar sua vida. Recusou interromper a gravidez quando todas as circunstâncias exigiam esse procedimento (...) Joana, como médica, estava consciente de duas claras opções: salvar-se ou salvar a criança que se desenvolvia no seu útero.” Um dilema que pressagiava dolorosos momentos para aquela família tão feliz.

Nestes tempos em que em muitos lares se prefere a adoção de animais à de um ser humano, eis que o exemplo de Santa Joana se alteia além da conta, só explicado pelo mistério da fé. Vale transcrever o diálogo entre a jovem senhora e o médico que a assistia, o qual pode ser lido na obra acima citada:

- Sua vida é prioritária, Joana. Se desejamos salvar sua vida, temos que interromper a gravidez.

- Essa hipótese não a permitirei nunca! Considero um pecado matar um ser que faz parte de mim.

- Mas, Joana, as alternativas são claras. Proceder a uma laparotomia, com extração do fibroma e do útero, salvando sua vida; interromper a gravidez realizando um aborto e extraindo posteriormente o fibroma, com possibilidades de ter outra gravidez; finalmente, exclusiva retirada do fibroma, sem interromper a gravidez.

- Professor – disse Joana – eu conscientemente escolho a última alternativa, embora saiba ser a mais perigosa para mim.

- Você é médica, ginecologista, sabe muito bem que essa é a alternativa mais arriscada. Mas, submeto-me à sua vontade. Programaremos a retirada do fibroma, esperando que a vida de seu filho seja preservada e que nada lhe aconteça.

Na sequência dessa história de amor, de fé e de dor, a cirurgia foi realizada com êxito em 6 de setembro de 1961. A Dra. Joana retornou ao trabalho normalmente e no dia 20 de abril de 1962 deu à luz a uma menina a quem o pai fez questão de batizar com o nome da mãe: Gianna (Joana). Nascera o fruto de um amor maior: Gianna Emanuela Molla. Porém, apareceram sérias complicações pós-parto. Uma perionite séptica que acarretou terríveis sofrimentos à jovem mãe. Todavia, ela permaneceu firme no seu desiderato de cumprir uma missão exemplar de fidelidade à causa do Cristo. Às 8 horas da manhã do dia 28 de abril de 1962, tendo ao lado seu amado esposo Pietro Molla, Joana faleceu em seu leito matrimonial. Daquele dia até a canonização dela por João Paulo II, uma longa história de milagres ocorreu, vários deles constando do relatório final entregue ao Papa pela Sagrada Congregação para a Causa dos Santos, tendo um deles ocorrido no Brasil, na cidade de Franca, em São Paulo. Gianna Emanuela, aquela que nascera de um ato de fé na vida, também médica, estava presente à solenidade de canonização da mãe, no Vaticano. Por final, sugiro a leitura do livro “O Amor Maior, a História de Santa Gianna”, de autoria de Giuliana Pelucchi, editora Minha Biblioteca Católica, 2020.


*publicado originalmente no Jornal O Povo

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