O aborto do Natal - Fábio Tucci Farah

A Sagrada Família com São João Batista por Denys Calvaert Flemish (1540-1619)

A Sagrada Família com São João Batista, por Denys Calvaert Flemish (1540-1619)


AVISO: A mensagem contém cenas fortes que podem perturbar o seu Natal. Essa é a minha intenção…


Caros confrades e confreiras,

 

Há nove anos, uma mulher entrou em uma das mais importantes igrejas de Paris, dedicada à Maria Madalena – a santa havia se tornado uma  fiel discípula de Jesus ao ter sete demônios expulsos de seu corpo. A mulher do século XXI assustou o coral que ensaiava músicas natalinas. Estava com os seios à mostra e a cabeça coberta por um véu azul e uma coroa de espinhos, uma evidente paródia às personagens centrais da Igreja. Estranhas mensagens haviam sido rabiscadas em seu corpo. A encenação ganhou um toque ainda mais perverso quando a mulher exibiu pedaços de fígado de boi e urinou na escadaria do altar. Em sua pérfida imaginação, havia acabado de abortar Jesus. Não estranharia se algum dos infelizes espectadores tivesse tido a ideia de chamar um exorcista para socorrê-la… Ela saiu da igreja sem dizer palavra alguma. E não tardou para o grupo do qual fazia parte entrar em alvoroço pelas redes sociais: “O Natal foi cancelado!”

 

Aos que chegaram até aqui, peço desculpas novamente por trazer à tona uma imagem tão grotesca no momento em que deveríamos apreciar nossos belos presépios e reluzentes árvores de Natal. Mas o episódio macabro na Église de la Madeleine é emblemático, sobretudo nesta época. Quase dez anos após a terrível encenação, a Corte Europeia de Direitos Humanos condenou o Estado Francês a indenizar a mulher – outrora condenada a um mês de prisão (não cumprida) e a uma multa de dois mil euros. Conforme a Corte Europeia, aquela mulher havia exercido seu direito de liberdade de expressão. É possível enxergar aqui a postura do mundo diante do mistério da Encarnação. O mundo não mede esforços para tentar abortar o Natal, seja pelo ativismo grosseiro de inúmeras pessoas, seja pelo ativismo de grandes organizações, seja pela perseguição religiosa, seja pelo consumismo exacerbado revestido das melhores intenções.

 

Desde que chegou ao mundo na obscura Judeia, Jesus tornou-se alvo de uma perseguição atroz. O rei Herodes ordenou uma chacina de crianças para destruí-lo e a família precisou buscar refúgio em um reino estrangeiro. Já na vida adulta, ele se tornou um profeta malquisto pelas maiores autoridades religiosas, foi traído por um dos amigos mais próximos e condenado à pena capital reservada aos piores criminosos. O presépio sempre nos arranca sorrisos, mas jamais poderia ser plenamente apreciado sem as lágrimas ao pé da cruz. Aquele inocente bebê está fadado à perseguição, ao sofrimento, à morte excruciante.

 

Quase dois mil anos depois, milhões de cristãos são martirizados, ridicularizados ou ofendidos por intervenções mórbidas sob o pretexto de liberdade de expressão. Há situações extremas em que se busca extirpar o cristianismo de um país inteiro. E nem precisamos atravessar o Atlântico para chegar a um deles. A pouco menos de seis mil quilômetros de nosso maior aeroporto, um ditador tenta abortar o Natal na Nicarágua.

 

Não poderíamos apreciar plenamente o presépio sem as lágrimas ao pé da cruz. Mas também não poderíamos fazê-lo sem carregar no coração o assombro diante do sepulcro vazio. O Natal jamais poderia ser abortado por uma ativista armada com pedaços de fígado de boi, por um rei infanticida, por imperadores sanguinários, por tiranos do terceiro mundo, por extremistas religiosos ou ateus, pelas mais poderosas organizações internacionais. Há quase dois mil anos, Jesus continua nascendo em nossos lares, em nossos corações, em nosso dia a dia. E nos oferece o caminho para além de um lugar obscuro – e muitas vezes desolador –, um caminho para além de um mundo que não desiste de tentar abortá-lo! Para cruzar a ponte, não basta sorrir diante daquele singelo bebê no aconchego de nosso lar. É preciso travar uma guerra diária e acompanhá-lo da manjedoura ao calvário... É preciso perseverar até o fim.

 

Feliz Natal a todos e um ano novo repleto de bênçãos!


Fábio Tucci Farah

Cadeira nº 34 - Santa Joana D'Arc

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