Sessão da Saudade em homenagem a Neuzemar Gomes de Moraes - Discurso de José Luís Lira

 

SESSÃO DE SAUDADE DO ACADÊMICO NEUZEMAR GOMES DE MORAES



Excelentíssimo Senhor Presidente da Academia Brasileira de Hagiologia, Acadêmico Luciano Dídimo,

Prezados Confreiras e Confrades,

Um cumprimento aos novos confrades e saúdo, mui especialmente, ao Pe. César Augusto; ao Silvonei José, quase meu irmão na Ordem do Santo Sepulcro; Victor Hugo, amigo de muito tempo, e Mariana Mansur;

Familiares e amigos do Confrade Neuzemar Gomes de Moraes que cumprimento no nome de Dona Vancy Gomes de Moraes e demais familiares,

Senhoras e Senhores:

Paulo, o grande apóstolo dos gentios, nos ensina em Filipenses que “... a nossa Pátria está nos céus, de onde esperamos, como Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que há de transfigurar o nosso humilhado, para torná-lo semelhante ao seu corpo glorioso” (Fil. 3,20). Portanto, nas palavras de São João XXIII, “Nós somos seres do Céu; estamos aqui de passagem”. Paulo diz ainda que “... se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados” (1Cor 15,17). A ressurreição é nossa grande esperança de cristãos.

É certo que este tempo que se iniciou em março de 2020 parece passar de modo mais doloroso que os demais que já vivemos... Quase todos nós temos um ser que amamos e que partiu para a eternidade nesses 18 meses. Alguns, vítimas de covid; outros, de males que se aceleram no isolamento que necessariamente nos foi imposto. O brasileiro é muito gregário, afetivo, por isso nosso maior sentimento. Recebi com imensa honra a indicação de nosso Presidente Luciano Dídimo para fazer a saudação nesta sessão ao Confrade Neuzemar Gomes de Moraes. Luciano já havia me horado com a missão de fazer o elogio acadêmico ao seu pai, Horácio Dídimo, tão presente ainda em nossa Academia. Não tenho, como outro dia ouvi a Dra. Crislene Moraes confessar, o domínio da arte de Cícero como tinha nosso querido Dr. Neuzemar. O conheci em 2000, antes de me formar em Direito e, talvez como Agostinho de Hipona por Macrobius, fiquei fascinado pelo grande Tribuno. Era manhã de sábado. Estávamos na Casa de Juvenal Galeno. Era uma reunião da ALMECE, presidida pelo eterno Presidente Lima Freitas, que, penso ter feito saudação ao imortal Neuzemar em sua chegada à Academia Celeste.

É ousado da minha parte dizer algo em latim diante do latinista Colaço Martins, nosso ilustre confrade, e falando sobre Neuzemar Gomes de Moraes que depois daquele nosso primeiro encontro me recomendou a ler a obra Catilinárias do cônsul romano Marcus Tulius Cicerus e, ainda assim, sem ser citação de Cícero, mas, aforismo que tem origem nos escritos de Hipócrates, arquiteto e médico grego, popularizado pelo poeta romano Sêneca, “Vita brevisars longa”. A vida é breve, a arte é longa.

Breve, muito breve para quem viveu 77 anos. Longa, longa para seus feitos que fazem ter vivido muito mais e ficará gravado na História. História familiar e aqui permito-me lembrar sua amada esposa, dona Vancy Gomes de Moraes, com quem foi pai de Crislene, Vanessa e Viviane e avô de Helder, Daniel e Ísis. História da cidadania, dos heróis que fizeram e fazem o Brasil ser o que é. Neuzemar nasceu no Município de Sena Madureira, então Território Federal do Acre, Acre que o poeta Jáder de Carvalho dizia que foi fundado pelos cearenses e que, de fato, foi. As raízes de Neuzemar estão em Iracema, no Ceará, epônimo que homenageia à lendária mãe de todos os Cearenses, Iracema, imortalizada por José de Alencar. E como todos os nordestinos, pois, seu sangue era nordestino, Neuzemar foi antes de tudo um forte e depois de longas pelejas, no caminho do bem, retornou à sua terra. Mas, antes, em Brasília, formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Faculdade de Direito do Distrito Federal, do Centro de Ensino Unificado de Brasília – CEUB, na festa de Santa Luzia, dia 13 de dezembro de 1974, quatro dias antes que eu completasse um ano de vida.

E Neuzemar se fez partícipe de outra História; a da Advocacia. Nessa arte tão envolvente, Neuzemar militou desde janeiro de 1975, com atuação nas áreas: Cível em geral e Criminal, com intensa participação no Tribunal do Júri. Na OAB Ceará, foi Conselheiro e presidiu as Comissões de Defesa dos Credores Públicos – Precatórios, Orçamentos e Contas e, ainda, Ética na Política – Combate à Corrupção Eleitoral. Recebeu a comenda de advogado padrão e, já assistindo do céu, seu nome foi dado ao átrio da biblioteca da OAB. Ouviu, certamente, as palavras de seu primo, Cleto Gomes, de sua filha Crislene, do grande advogado Paulo Quezado e do Presidente Erinaldo Dantas.

Discípulo fiel de Cicerus, Neuzemar foi um dos maiores oradores das gerações com as quais conviveu. E não precisava de regras, de estilismos. A oratória lhe era própria. E sua palavra tinha força, respeito e alcance. Isso foi de extrema valia no Direito, na política, na vida pessoal e na Literatura, onde Neuzemar também fez História. Escreveu sobre seu município, Iracema, onde foi Vereador, tendo sido presidente da Câmara Municipal e, também, Vice-Prefeito. Escreveu, ainda, sobre temas diversos de Direito; em dezembro de 2016, publicou um livro que é verdadeira epopeia: “Portugal e Brasil – nos Oceanos da História” e, no primeiro trimestre deste ano de 2021, publicou um novo livro, “Retórica, Oratória e Discursos”, como lembrou nosso Confrade Seridião Montenegro, “um verdadeiro manual a ser utilizado por quantos se dediquem à arte retórica”. Também foi biografado por sua filha Vanessa Gomes de Moraes, “Neuzemar Gomes de Moraes, um exemplo de vida”. Eu diria uma médica escrevendo sobre um advogado com a arte do amor, do bem-querer e da admiração.

Nessa História com a Literatura, Neuzemar se destacou na Academia de Letras dos Municípios do Estado do Ceará – ALMECE, tendo ingressado em 27 de setembro de 1986, sendo, portanto, dos primeiros imortais da ALMECE; na Academia Cearense de Retórica, onde foi Presidente; no Centro Cultural do Ceará; no Conselho Internacional dos Acadêmicos de Ciências, Letras e Artes; na Academia Cearense de Direito; na Academia Fortalezense de Letras; na Academia de Letras e Artes do Ceará; na Academia Cearense de Cultura, a última fundada por Matusahila Santiago e por mim, escolhendo para a cadeira 26 o médico Moura Brasil, de sua terra Iracema, para patrono; na Associação Brasileira de Bibliófilos; na Divine Academia Francesa de Arte, Letras e Cultura; na Academia de Letras e Artes de Portugal – ALA; na Academia Iracemense de Letras e Artes, da qual foi Presidente de Honra, e na nossa Academia Brasileira de Hagiologia, na qual foi o segundo ocupante da Cadeira 9, tendo por Patrono Santo Anselmo. Deixou seu rastro luminoso, também, no Instituto dos Advogados do Ceará, no qual tomamos posse juntos, na aprazível Viçosa do Ceará; na Sociedade Cearense de Geografia e História e no Instituto do Ceará (Histórico, Geográfico e Antropológico).

Recebeu a cidadania honorária dos municípios de Fortaleza, São João do Jaguaribe, Iracema e Santa Quitéria. No mesmo mês de agosto em que o Dr. Neuzemar nos deixou, acompanhamos pelas redes sociais, tão presentes nestes tempos atuais, a homenagem que a Municipalidade de Iracema o fez, em sua residência, no dia 10 de agosto, a outorga da Medalha Moura Brasil, a mais alta honraria da Prefeitura de Iracema e o título Honorífico de Filho Ilustre de Iracema, homenagem da Câmara Municipal. Não somente honorífico, entendo eu, mas, de fato e de direito. Nas imagens o vimos abatido, mas, o velho Tribuno agradeceu e nos emocionou, profundamente. Era sua despedida e nós não percebemos.

Eis que numa tarde de domingo, 22 de agosto último, o amigo Dr. Paulo Quezado me comunicou o falecimento do grande tribuno, advogado e historiador Neuzemar Gomes de Moraes. Eu estava no Sítio Monte-Alegre, aqui em Guaraciaba do Norte, e não pude me despedir do querido amigo, como tantas vezes têm ocorrido nestes tempos estranhos. Rogo ao Deus em quem acredito o ter recebido em sua glória eterna.

Enviei-lhe meu último livro “Nossa Senhora dos Prazeres e a História de Guaraciaba do Norte”, pois sabia de sua predileção pelo tema, mas, não chegou a tempo. Meu amigo e confrade já tinha ido ao encontro de Deus quando o livro foi entregue em seu apartamento.

Hoje é uma sessão de saudade. Antes de tudo, dou graças a Deus por ter conhecido, convidado e privado da amizade do Dr. Neuzemar Gomes de Moraes, sem qualquer rusga, sem qualquer ressentimento. Pelo contrário, foi uma honra imensurável privar de sua fraterna amizade. Ouvir seu discurso firme e sua voz paternal, tantas vezes.

A palavra saudade, afirmam os lexicógrafos, é exclusividade das línguas portuguesa e galega. Em 1914, a primeira mulher a lecionar numa universidade portuguesa, a Universidade de Coimbra, dona Carolina Wilhelma Michaëlis de Vasconcelos, alemã de nascimento e portuguesa de coração, publicou, pela “Renascença do Porto”, em Portugal, um interessante ensaio intitulado “A Saudade Portuguesa”. Dona Carolina, autora do conhecido Dicionário Michaëlis, diz-nos que “... a Saudade era considerada quase como filosofia ou religião nacional”. Afirma que “... não tenha equivalente em língua alguma do globo terráqueo e distinga unicamente a faixa atlântica, faltando mesmo na Galiza de além-Minho. Há quatro vozes peninsulares, de origem neolatina todas elas, que são sinônimas de saudade... Certo é apenas que não correspondem plenamente ao termo português” e, consequentemente, brasileiro.

E a Saudade brasileira? “Saudade é o amor que fica”. Essa frase é atribuída ao médico oncologista Rogério Brandão que a teria ouvido de uma criança doente de câncer, em fase terminal. O amor que fica. Se analisarmos concretamente, é o amor que fica de momentos que se eternizaram em nossos corações, em nossas mentes, em nossas almas.

Nós nos reunimos, em sentimento de saudade e de esperança, com uma certeza em cada um de nós: pode um homem morrer, mas, suas ações permanecerem. Por isso nos dizem imortais os que pertencemos a Academias de Letras. Nós todos morreremos um dia, mas, o que produzimos em termos literários permanecerá ou, pelo menos, nosso nome, pois, todas as vezes que houver sucessão nas cadeiras que ocupamos, seremos lembrados.

Neuzemar Gomes de Morais (na ponta direita)  em sua posse
 na Academia Brasileira de Hagiologia em 29/03/2017

E nossa Academia é diferenciada. Aqui nossos patronos são santos ou candidatos à santidade e a santidade é a plenitude da vocação de todo cristão. É imperativo do próprio Deus: “Sede Santos porque Eu, Javé, vosso Deus sou santo” (Levítico19,2). Portanto, à saudade que ficou do Confrade que se foi se une a esperança de sua ressurreição e do reencontro. O patrono da Cadeira 9, Santo Anselmo, dizia que “É impossível salvar a alma sem devoção a Maria e sem sua proteção”. Por isso, confiamos a alma de nosso Confrade à intercessão de nossa Padroeira Geral, Nossa Senhora da Conceição Aparecida, para que brilhe sobre Neuzemar a Luz de Deus!

É este, um grande momento em qualquer Academia. Talvez o segundo mais importante na vida de um Acadêmico. No primeiro, aqui estava o Dr. Neuzemar, fisicamente, com sua família, seus amigos, emocionado, recebendo os louros de uma vida digna, honesta e voltada a grandes causas, dados destacados na saudação que o fizera um confrade. Neste segundo momento, estão família, amigos, confreiras e confrades, mas, o Confrade Dr. Neuzemar não está, fisicamente. Mas, nós destacamos seus méritos. Penso que com mais emoção do que antes, pois, sua saudade é cantada por todos nós.

Já quase concluindo, cito texto publicado por Valterlucio Campelo, de Rio Branco, Acre, intitulado “A morte não é o que dizem os pessimistas. Ou, como morrem os sábios” que transcreve um áudio do Acadêmico Neuzemar Gomes de Moraes e ale dirigido: “Agradeço por ter vindo a este planeta e aqui ter passado três quartos de século, agradeço a Deus por ter vindo entre um milênio e outro, agradeço a Deus as belezas deste mundo, levarei muita saudade do sol, da lua, dos mares, dos igarapés e dos riachos, das cachoeiras serpenteando, levarei muitas saudades dos fenômenos da natureza, das florestas, das flores, das árvores, do perfume das rosas, do perfume da açucena, de toda minha família, de todos os meus amigos e parentes. Partirei com muita disposição, com muita coragem, sem nenhuma tristeza. Se Deus me desse a oportunidade de tudo recomeçar, eu repetiria tudo novamente, e gostaria de nascer no centro de Iracema ou numa ruazinha do Ema (lugares em que viveu seus primeiros anos) para percorrer tudo da mesma forma” (https://ac24horas.com/2021/06/11/a-morte-nao-e-o-que-dizem-os-pessimistas-ou-como-morrem-os-sabios/).

Esta separação é um mistério inexplicável e só Deus sabe e tem as razões e isto nos faz recorrer ao patrono do imortal Neuzemar Gomes de Moraes, Santo Anselmo que afirmava: “Não busco compreender para crer, mas creio para compreender”. Caríssimo Confrade, crendo na vida eterna como creio, sua memória permanecerá entre nós e sou tentado a parafrasear Adoniran Barbosa, em sua clássica Iracema: “E hoje ele vive lá no céu. E ele vive bem juntinho de Nosso Senhor!”

Amém!

Fortaleza, 29 de setembro de 2021

José Luís Lira

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